Falta de tempo (trecho)


Existe um único antídoto para a falta de tempo. Um único.
Estar apaixonado. Esquecer de si para inventar o desejo.
O desejo transforma-se no próprio tempo. Tudo é adiado.
A dispersão nos leva a reparar nas janelas, nos interruptores,
nos sapatos dos colegas.
As córneas se abaixam. Nada mais tem tanto significado do que se aprontar,
ensaiar e aguardar perfumado o encontro.
Passar as roupas é uma necessidade.
Os vincos são desafiados com inusitada paciência.
Depilamos a agenda. Compromissos sérios pulam de casas e horários.
Antes imutáveis, as reuniões trocam de vôo de modo nervoso.
O trabalho passa violentamente rápido.
Não há o medo de ser demitido, o medo de se proteger,
o medo de repetir as relações passadas, a segurança de prever.
Cada um assume uma condição noturna, intermitente,
o olhar abobado e a vontade excessiva.
A imaginação pára a escrita em um só nome.

Aconselho a quem não tem tempo: apaixone-se.
Perca a cabeça na guilhotina.
Entregue seus pés para a espuma.
Permita a cintura subir como um chafariz.
Não pense que vai dar errado.
O que pode dar errado já aconteceu antes.
Dentro do tempo.

Fabrício Carpinejar

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